quinta-feira, 3 de novembro de 2016


TAPADA DAS NECESSIDADES


MNE
"Em 1599, se desenvolveu em Lisboa a terrível epidemia, chamada a grande peste, que obrigou a sahir da cidade muita gente.
Dois cônjuges da freguezia dos Anjos, fugiram para a Ericeira. Próximo á villa havia uma ermida, dedicada a Nossa Senhora da Saúde, com cuja imagem aquelles tinham muita devoção. Regressando a Lisboa, a furtaram, trazendo-a para sua casa, onde a conservaram alguns annos. Depois, pedindo esmolas para lhe erigirem uma capella, offereceu Anna Gouveia de Vasconcellos, um terreno que tinha no Alto d'Alcantara, para esta edificação (...).
Crescendo a devoção a esta Senhora, com os contínuos milagres que lhe atribuíam, a denominaram Nossa Senhora das Necessidades, e a sua capellinha estava ricamente adornada.
Passados annos, Pedro de Castilho, do conselho de D. João IV, comprou umas casas que Anna Gouveia tinha junto da capella, e, reconstruindo-as, ficou com o padroado da  capella, em 1659.
D. João IV, e a sua família, e depois seus successores, tinham também muita devoção com esta Senhora. D. Pedro II, e sua primeira mulher (D. Maria Francisca Isabel de Saboya, a descasada de D. Alfonso VI) estando no palácio d'Alcantara, ou do Calvário, visitavam frequentes vezes esta capella, e lhe mandaram fazer muitos melhoramentos.
Em 1742, adoecendo gravemente D. João V, fez conduzir para a sua camara a imagem de Nossa Senhora das Necessidades.
Melhorando o rei, atribuiu a sua cura a Nossa Senhora, e em agradecimento, substituiu a capella por um templo rico e sumptuoso, no mesmo logar onde existia a capella e com a mesma invocação; dando-lhe a prerogativa de capella real.
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Junto da egreja mandou construir um palácio, e na quinta contigua, que comprou a Balthazar Pereira do Lago, e que engrandeceu e aformoseou, edificou um convento, para os congregados de S. Philippe Nery (...).
A quinta e jardim d'este palácio, dispôs-los no gosto moderno, possuem uma grande colleção de plantas exóticas, uma vasta e sumptuosa estufa (a melhor do reino) formosos lagos e muitos vasos e estatuas de mármore, de difterentes auctores.  Das janellas do paço se gosa um forniosissimo panorama.  Em frente do paço está um terreiro arborisado, tendo no centro um elegante chafariz de mármore branco e côr de rosa, com uma bonita agulha, ou obelisco monolithico".
Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - vol.IV - pág.130 e 131


Bem, mas tudo isto foi há muito tempo, já...


Nos nossos dias, o belo e bem cuidado jardim que se pode ver da fachada tardoz do Palácio das Necessidades encontra-se isolado da chamada Tapada, propriamente dita...  e como é grande o contraste entre esta e o seu luxuriante vizinho!

Se é verdade que, na zona Sul da Tapada, a vegetação se encontra bem cuidada e ordenada - fruto de uma intervenção profunda iniciada em 2008 -, a Norte o panorama é, como iremos ver, substancialmente distinto, muito em especial no que diz respeito à estatuária e ao património edificado.

Augusto Santos Silva
Como primeiro exemplo, veja-se o estado do nicho que se encontra, precisamente, sob a pequena escadaria que, in illo tempore, daria acesso ao jardim do Palácio, agora protegido pelo portão que ostenta o encarnado dístico que promete pena de prisão aos infortunados intrusos que ali se aventurarem.

Diga-se, desde já, que, dado o constante e crescente vandalismo que afeta a Tapada  - ao que por lá consta, praticado por alunos de duas escolas secundárias ali próximas -, interessante seria encontrarmos um dístico similar no portão das traseiras da Tapada, que dá para a Rua do Borja, o qual, durante o dia escancarado e sem qualquer guarda, permite a entrada de quem quer que demande o espaço, seja ou não bem intencionado.

Fica, assim, a pergunta: se existe uma portaria no portão da frente, por que razão se não mantém encerrada a entrada pela Rua do Borja, que não tem qualquer guarda, em lugar de cuidar, depois, de reabilitar o espaço vandalizado, não seria mais apropriado limitar o risco?  A custo zero, ainda por cima...

É certo que noutros jardins, como o da Estrela, todos os acessos são franqueados;  mas trata-se de espaços com muito menos para vandalizar!

Enfim, coisa inexplicável, como tantas outras na nossa Cidade...

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O profundo contraste entre as zonas Sul e Norte, que já referi, não é, no entanto, imediatamente percetível ao visitante ocasional, que apenas procura o bem cuidado relvado - tão convidativo nas tardes de Verão - ou a frescura dos "formosos lagos" de que falava Pinho Leal.

Porém, logo no topo Norte do relvado, uma singular e elegante construção revestida a vidro não pode deixar de chamar a atenção do mais distraído.

Bem, mais propriamente se dirá parcialmente revestida a vidro, já que, embora recentemente intervencionada, os vândalos que pairam pela Tapada foram, ao longo dos mais recentes anos, cuidando de demonstrar a sua valia como arremessadores de calhaus, para satisfação de sabe-se lá que zona pervertida dos seus espíritos e cérebros medíocres e mesquinhos, e para gáudio dos seus embasbacados e básicos admiradores.





Absolutamente incapaz, hoje em dia, de reter o ar quente que lhe permitiria desempenhar a sua função, a "vasta e sumptuosa estufa (a melhor do reino)" apenas serve para cultivar uns miseráveis canteirinhos de plantas, alimentados por um pequeno regador.


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Não longe da estufa, a Casa do Fresco, recentemente recuperada;  e, como seria de esperar, prontamente vandalizada uma das estátuas que lhe guardam a entrada.

Virados a Norte, encontramos, integrado na Tapada e à esquerda da estufa, um gradeamento no interior do qual se situa a Escola Fernanda de Castro (EB + JI).

Também aqui a abundância não parece imperar, se atentarmos no misérrimo parque infantil.


Pelo menos inesperada e curiosa é a presença desta "piscina" possivelmente destinada ao  recreio dos pequenos alunos.  Se não é, parece; e dir-se-a que, pelo mau aspecto que deixa transparecer, não deveria lá estar.

Há, também, quem sustente que, a par da Casa do Regalo, de que adiante falarei, a Escola é uma das últimas razões de ser da continuidade da Tapada, já que, com tantas promessas de reabilitação desta  - invariavelmente incumpridas -, tudo aquilo parece ter entrado num processo entrópico que nem as mais recentes e entusiasmadas promessas da Vereação lograrão resolver.  A ver vamos, pois...

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A "sumptuosa estufa" e a Casa do Fresco confrontam, a Norte, com a Alameda dos Lódios;  e esta, também a Norte, com aquele que é, porventura, o mais lastimável exemplo do estado de degradação a que a Tapada chegou.

Escritos de outros tempos dão-nos conta do empenhamento de Dom Fernando II no desenvolvimento e manutenção, na Tapada das Necessidades, de um jardim zoológico e aviário, ocupando um espaço ainda hoje gradeado, que contém diversas construções - todas elas em avançado estado de degradação - possivelmente destinadas a albergar as aves e outros bichos.





A maior parte das portas do gradeamento está aberta, pelo que, não apenas o autor destas linhas, mas os habituais agentes do vandalismo por lá puderam entrar no recinto, tendo os últimos destruido os interiores e, até, incendiado diversas construções, que ficaram no estado que as imagens seguintes bem ilustram.







Pela amostra que aqui vos deixo, para calcular como estará o resto não será, talvez, necessária uma grande dose de imaginação ...



Quanto valem as promessas camarárias?  Tanto como isto: "Os edifícios que compõem o antigo Jardim Zoológico da Tapada das Necessidades vão ser recuperados para receber um restaurante de ‘gama alta’, num conjunto de ações planeadas pela autarquia para conservar um espaço classificado como Imóvel de Interesse Público" (in Destak 29.07.2011)

O tal edifício...  será este?? --->


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Continuando para Norte, deparamos com o
Lago do Duque de Lafões.

Já se vê, pela tabuleta, que esta gente nem a noção tem do que é perigo de afogamento:  o lago terá, quando muito, menos de um metro de altura, e está sempre com menos de um palmo de água.  Suja.

A mesma altura tem o lago do Campo Grande (veja aqui), e não andam por lá letreiros a alertar as pessoas de que, em águas tão "profundas", correm o risco de se afogar.

Adiante...

O Lago foi requalificado em Fevereiro de 2012;  mas ninguém diria, já que no muro de enquadramento e a fazer fé nas fendas que vão aparecendo, os danos parecem ser estruturais.




Um dos lados do muro está vandalizado em toda a sua extensão, o que, se é certo que se deve à falta de segurança, não pode ser imputado aos responsáveis pela requalificação.

Mas, e o outro lado do muro?
O outro lado não está vandalizado;  mas a "requalificação" de 2012 parece ter sito tão bem feita que, em quatro anos, o reboco acabou por cair sozinho.


O fontanário e a estatuária:  acha mesmo o caro Leitor que têm ar de "requalificação"?


Duas das estátuas ainda sorriem, mas esta já pintou a cara de preto, tal é a vergonha que lhe inspira o estado da nobre Tapada --->



Quem adjudicou?  Quem requalificou o Lago?  Quem fiscalizou?  Quem responsabilizou?

Vai ficar assim?  A culpa, como sempre, morre solteira?

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Ainda um pouco mais a Norte, em plena zona degradada, a exceção à miséria que, de um modo geral, caracteriza a Tapada, é a Casa do Regalo, que já referi.

Aproveito para esclarecer que, segundo me dizem, aquela mal disfarçada excrecência paralelipipédica do lado direito da Casa é um acrescento que se revelou necessário para lhe permitir acolher os serviços de apoio ao outrora presidente da república Jorge Sampaio, que quase diariamente ali se desloca, contemplando, no caminho, toda esta desolação.



O contraste do estado de conservação com o restante edificado choca, naturalmente; mas sempre é melhor do que nada;  sempre é melhor do que estar tudo, mesmo tudo, a cair aos pedaços.


Aqui fica, pois, uma nota de frescura para nos descansar o olhar, fatigado de tanta coisa triste ver.

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A partir daqui e até ao extremo Norte, entramos na chamada zona da mata mediterânica, onde tudo é feio e miserável:






- A mãe-de-água lembra uma casa assombrada, tirada de um filme de terror  --- >







 <---  Pobre moinho...













... por dentro e por fora.










Esta coisa que fica atrás do moinho...  francamente, não sei.

Quiçá um monumento megalítico ao tanque de lavar roupa! --->

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Este conjunto abandonado sabe-se lá de quê leva-me a abrir, aqui, um parênteses para referir o pouco cuidado com pormenores de limpeza e arrumação do espaço que, apesar do aspeto quase tétrico da Tapada - ou, talvez, principalmente por isso, para procurar disfarçá-lo - mereceriam mais atenção.

Domingo, pouco após a abertura da Tapada, logo de manhã, o espetáculo do lixo...











Não é grave, claro.  Sobretudo se comparado com o resto.  E a desmotivação é compreensível, também.





Mas não se poderá evitar?...

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Fechando o parênteses, voltemos às misérias da zona da mata mediterrânica.



Completamente degradado está o edifício onde terá, há muitos, muitos anos funcionado um laboratório de biologia.
Além deste, por toda a zona da mata mata encontramos diversas casas arruinadas, vandalizadas ou de construção abandonada, incompleta.















Em algumas delas, encontramos, já, aquele que se vem tornando um dos elementos "decorativos"
 mais populares na nossa Cidade: o tijolo, que lhes entaipa portas e janelas.


















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Um pouco a Oeste,
a zona do - que resta do - aqueduto.



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Um pouco por toda a Tapada, dispensa comentários o estado da estatuária, dos canteiros, do piso.







Enfim, uma nota positiva:  existem instalações sanitárias, apesar de tudo!

Funcionam, e são gratuitas, ao contrário de outros jardins - veja AQUI, por exemplo - em que, as que existiram, estão entaipadas;  estavam, há um ano atrás, e assim continuam.

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Terminada a visita, saí por onde entrei:  pelo único portão que deveria, talvez, permanecer aberto, já que é o único que tem portaria.

De facto, a manter-se a falta de segurança devida à entrada, indiscriminada, pelo portão da Rua do Borja, de pessoas com reprováveis intenções, quem quererá, alguma vez, investir, seriamente, na Tapada das Necessidades?  Que sucesso poderá esperar para o seu negócio?  E, se nos lembrarmos do caso recente da reabilitação da estufa já tão degradada, quanto tempo irão perdurar outras eventuais reabilitações?

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Ouvi, há dias, numa entrevista transmitida por uma estação televisiva, um membro da nossa mui ilustre Edilidade declarar-se "todo contente" pelo facto de, após uma sucessão de concursos desertos, lá ter acabado por aparecer algum incauto - digo eu - que se propôs investir na recuperação do Jardim Zoológico da Tapada das Necessidades, ali instalando o aguardado restaurante.

Segundo o mesmo Vereador, os trabalhos deverão ficar concluídos no próximo Verão.  Mas, depois de tanta reabilitação prometida para a Tapada e não cumprida, ninguém me poderá censurar por manifestar algum ceticismo - esperando, pelas melhores razões, enganar-me, claro está.


Mas, ainda que a reabilitação aconteça, não será, certamente, com um simples, porquanto arrojado, investimento numa pequena parte da Tapada que o futuro desta será mais risonho - e, também, para o (in)feliz e audacioso empresário.

É que, enquanto as restantes misérias não forem reabilitadas - edifícios, estátuas e por aí fora -, não será, ainda, desta que a Tapada das Necessidades se transformará naquilo que parece ser, nos nossos dias, o maior indicador de sucesso no quadro da atividade turística municipal:
uma escala na rota dos tuk-tuks !

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Uma coisa parece, no entanto, certa:  reabilitada ou finalmente encerrada, destruída, a Tapada das Necessidades não poderá, por muito mais tempo, manter-se como está.

Não é turístico, não é viável, um espaço assim.

Nem alguma vez o será, se não se investir, seriamente, no estacionamento e nas acessibilidades;  a menos, claro está, que a nossa Câmara Municipal continue a pensar que Lisboa se destina, unicamente, a caminheiros e ciclistas - cujas visitas não serão, evidentemente, suficientes para justificar o mais do que necessário e urgente investimento.




Aqui fica, pelo sim, pelo não, o testemunho fotográfico de uma
visita recente à Tapada das Necessidades feita por um cidadão alfacinha.

Para que ninguém se esqueça...


Este local situa-se na área geográfica de intervenção da Junta de Freguesia da Estrela



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Alguns Links:
Grupo dos Amigos da Tapada das Necessidades
PETIÇÃO PÚBLICA 2021
Tapada das Necessidades (SIPA)
Tapada das Necessidades (Wikipedia)
Tapada das Necessidades em Lisboa:  A História de Um Jardim Esquecido
Edifícios do Antigo Jardim Zoológico da Tapada das Necessidades vão Receber Restaurante de Luxo
Casa do Regalo (Jorge Sampaio)

3 comentários:

  1. Muito bem dito, com imagens também eloquentes!
    Eu, que vou quase todos os dias à Tapada das Necessidades, ainda seria mais severo nos meus comentários ao estado de abandono e degradação em que este tesouro da cidade de Lisboa se encontra ainda hoje, 6 de Julho de 2018 - um ano e meio volvido sobre o seu post. A única coisa que melhorou desde então foram alguns caminhos, que foram asfaltados - para os popós, claro! O resto mantém-se igual, excepto algumas coisas que ainda conseguiram piorar.
    Mas quem poderá pôr fim a este escândalo?
    As minhas felicitações e os meus cumprimentos,
    José Barreto

    ResponderEliminar
  2. Bom dia, publicamos em Março 2021 esta sua notícia por ainda ser pertinente, no grupo de facebook "Os amigos da Tapada das Necessidades". Está em curso uma petição " Em defesa da Tapada das Necessidades", já com ceca de 9.000 assinaturas em que contestamos e pedimos a revisão do projecto de recuperação aprovado em 2019 pela CML, por nos parecer que desvirtua a essÊncia da Tapada. Se estiver interessado aqui deixo o link da petição pública on line -

    https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=tapadanecessidades

    Cumprimentos Maria Jose Afonso

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigado pelo comentário e, também, pela informação. Irei, seguramente, subscrever.
      Aproveito para informar de que atualizei a hiperligação para o vosso Grupo, e incluí uma outra diretamente para a petição pública.

      Eliminar

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