segunda-feira, 2 de novembro de 2015


IGREJA DE SÃO DOMINGOS



"A mais vasta, nobre e sumptuosa das que pertenceram a mosteiros em Lisboa*)

Falar, no Misérias de Lisboa, de uma das nossas igrejas mais antigas, pode, até, parecer heresia.

Mas reflitamos um pouco sobre o assunto, desapaixonadamente...

Durante a maior parte dos 56 anos que nos separam do fatídico 13 de Agosto de 1959 em que ardeu, a igreja esteve encerrada, sendo o culto assegurado na sacristia.

Após a instalação de uma cobertura em betão e metal para substituir a que o fogo consumira, parece apenas ter havido dinheiro para pintar algumas paredes.

No entanto, abriu, mesmo assim, ao culto, em 1994, a todos os visitantes mostrando um cenário verdadeiramente apocalíptico, sem que, no meio daquela miséria toda, tivesse perdido a grandiosidade.   De alguma forma, talvez ela tenha, até, saído beneficiada.

Desde então, o marketing eclesiástico tem funcionado em pleno, como pode comprovar-se pelas opiniões dos milhares de devotos e de turistas que, todos os anos, visitam aquela que a publicidade anuncia como "uma igreja única no mundo pela sua história, pela memória de glórias e desgraças, e por permanecer com as marcas do fogo" - referência que pode ler-se no tríptico de tamanho A4 disponível, por 1€, na própria Igreja.

Algo surpreendentemente, esta mensagem de "igreja única no mundo" parece estar a funcionar, a julgar pelo considerável número de velinhas que ardem em alguns altares.
Ora, é bem verdade que, após transpor a singeleza da fachada, não nos deixam indiferentes a dimensão do Templo e a beleza dos mármores, realçada pelo contraste rude com as marcas do fogo, que lhe dão "um charme todo especial", como um viajante escreveu, 

Mas não é menos verdade que praticamente qualquer igreja, como qualquer monumento, é "única no mundo pela sua história" e "pela memória de glórias e desgraças".

Em suma, a Igreja de São Domingos, em Lisboa, só é, verdadeiramente, mais única do que todas as outras porque...  ainda por lá ficou a maior parte das marcas do fogo.
Mas, se é este o principal critério, Lisboa tem, também, um outro monumento que quase posso garantir que é único no mundo:  um palácio onde os governos tomam posse e recebem os mais altos dignitários de outros países, todos eles entrando pela suntuosa - e mal cuidada - fachada principal, ignorando que a tardoz foi consumida pelo fogo e ficou, também há já muitos anos... assim.

É caso para dizer que talvez consigam aumentar o número de visitantes das exposições do Palácio da Ajuda publicitando-o como único no mundo porque... ardeu;  e aumentar, assim, as receitas até dar para, pelo menos, umas obrazitas à portuguesa, para disfarçar.  Já se viu por aí tanto disparate...

Voltando a São Domingos, talvez seja tempo de abrir um pouco os olhos e pousar os pés no chão;  e de nos lembrarmos de que o interior daquele monumento nacional é o de uma igreja ardida que (ainda ?) não foi restaurada, nem poderão alguma vez sê-lo as imagens e pinturas que o fogo levou.



Celebrado neste monumento à sua enorme força destruidora, o fogo foi implacável, e os danos que infligiu a obras de tamanha antiguidade e riqueza são algo que nem a mão dos mais dotados artistas poderá, alguma vez, reeditar.

Mas isso não impede que, sem lhe tirar o atual encanto, algo se faça no sentido de recuperar um pouco do velho templo, além da cobertura e de algumas paredes.










Como a deixaram, fica sempre, em quem visita a Igreja de São Domingos, o travo amargo do nosso bem conhecido e proverbial desleixo nacional.

Este local situa-se na área geográfica de intervenção da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.



*) Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - Mattos, Moreira & Companhia - Lisboa, 1874 - , vol.IV, pág.245



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1 comentário:

  1. Não me parece que tenha sido desleixo mas sim uma opção. Conheço-a desde criança, devo ter chegado a ir antes do incêndio a minha madrinha levava-me lá, e tenho ideia que muito cedo ouvi que as marcas do fogo ficariam, o que, para mim, até ajuda à reflexão, independentemente de quem lá vai ser crente ou não.

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